Indígenas e academia: diversidade e inclusão em políticas públicas e produção científica
O biólogo e mestre em Condições de Vida e Situações de Saúde na Amazônia Luiz Penha nasceu em São Gabriel da Cachoeira (AM), município amazonense que concentra o segundo maior número de indígenas do país, segundo o Censo de 2022. Desde 2021, ele é um dos três alunos indígenas do Programa VigiFronteiras-Brasil/Fiocruz. Em conversa conosco, ele compartilhou um pouco de sua história e da contribuição que pretende levar para o serviço de saúde onde atua.
- Pode nos contar um pouco sobre sua trajetória? Onde você nasceu e estudou?
Luiz Penha - Sou da etnia Tucano, natural de São Gabriel da Cachoeira, no interior do Amazonas, onde resido. Iniciei meus estudos no próprio município. Tive a oportunidade de me formar em biologia na Universidade de Brasília (UNB), onde fui aprovado por meio da política de cotas para indígenas. Ao concluir, voltei para trabalhar no município, com saúde indígena. Em 2015, participei do processo seletivo do Programa de Pós-Graduação em Condições de Vida e Situações de Saúde na Amazônia (PPGVIDa) da Fiocruz Amazônia, também pela política de cotas. Desde então, temos seguido há mais de 10 anos trabalhando com a saúde indígena, com epidemiologia de malária e da dengue.
Como ficou sabendo da seleção para o programa e o que você acha dele ter ofertado vagas específicas para pessoas de origem indígena?
- Qual a sua expectativa com o doutorado e com o desenvolvimento da tua tese?
LP - Nossa expectativa como aluno indígena, não só deste programa, mas de outros no Brasil, é tentar contribuir ao máximo, o melhor possível, para as políticas públicas de saúde indígena e para os direitos dos povos indígenas. Nós vimos isso no mestrado, quanto no caminho agora do doutorado, da oportunidade de conversar com outros doutores, com pessoas que são importantes dentro da construção do SUS. Neste caso, que é um programa voltado também à saúde indígena, acreditamos que a formação de doutores indígenas também possa contribuir para o aperfeiçoamento do SUS. Entendemos que é preciso discutir a saúde indígena, que há uma necessidade de ampliar a visão da necessidade de acesso dos povos indígenas ao SUS, mas não apenas dentro do subsistema de saúde indígena, mas do SUS universal, das populações indígenas de contexto urbano, dos aldeados. A ideia é que a gente possa contribuir também na formação de novos alunos. Tem também um lado mais coletivo, de poder ser uma pessoa que pode incentivar outros indígenas a ingressarem na graduação, na pós-graduação.
- Na sua família e na sua etnia você é o primeiro a chegar a esse nível de formação acadêmica?
LP - Dentro da família eu serei o primeiro a estar como um doutorado. Sou o primeiro doutorando. Mas eu vejo que, depois que me graduei e fiz o mestrado, outros primos também se propuseram nesse caminhar também. Alguns estão na pós-graduação, outros se graduaram na saúde. Vemos hoje outros colegas de São Gabriel estudando em outros municípios. A gente brinca que alguns aonde você for no Brasil, vai ter um indígena Gabrielense porque ele está procurando se graduar, não só na área da saúde hoje em dia. Em São Gabriel hoje nós temos uma peculiaridade: temos doutores indígenas em linguística e mestres em outras áreas da educação.
Por isso as políticas de quotas para o acesso as universidades são importantes. E também discutir políticas para apoiar os estudantes dentro desses níveis, tanto na graduação quanto na pós-graduação, porque há um espelhamento de parentes e de outros povos de também buscar o conhecimento. Entendemos que vai ser e tem um retorno de estar contribuindo na forma de construção de políticas públicas, de uma luta e construção dos direitos dos povos indígenas.
- Na sua opinião, que diferença faz ter outro indígena construindo essa política pública, tendo esse olhar diferenciado sobre a saúde?
LP - A importância de vários indígenas estarem atuando dentro dos programas é pela diversidade e representatividade. Nós temos mais de 180 povos, línguas diferentes e realidades diferentes. Entendemos que quanto mais acessibilidade tivermos, vamos poder estar discutindo de fato o que cada povo entende, o que é o sistema de saúde indígena na concepção de cada um deles. Ainda estamos muito distantes de entender a realidade do que é a concepção de saúde no povo Tucano, no povo Munduruku, no Caiapó, do Yanomami. A gente tem a concepção de saúde da OMS. E os anciões? Há um grande universo ainda que não está contemplado. Pode ser eu ou outro indígena que vai entrar em colaboração com um não indígena dentro da academia. A diversidade tem que estar dentro dessas fundações, dentro dos programas, para que isso seja visto e essa diversidade precisa ser contemplada, precisa ter essas peças fazendo parte dessa construção do conhecimento.