Pesquisa revela alta incidência de sífilis congênita entre mães jovens, pardas e com baixa escolaridade no sertão pernambucano

A sífilis, uma infecção sexualmente transmissível (IST) causada pela bactéria Treponema pallidum, é um importante desafio para a Saúde Pública mundial devido à sua alta prevalência e diversas manifestações clínicas. Além de ser transmitida por relações sexuais desprotegidas, também pode passar da mãe para o bebê durante a gestação ou parto, resultando em sífilis gestacional (SG) ou congênita (SC).

O estudo “Sífilis gestacional e congênita na III macrorregião de saúde de Pernambuco: análise epidemiológica e sociodemográfica”, realizado por Kamila Thaís Marcula, identificou que as gestantes mais afetadas pelo diagnóstico de sífilis possuíam baixa escolaridade, sendo 31,7% com ensino fundamental incompleto. No trabalho, ela caracterizou o perfil epidemiológico, sociodemográfico e clínico dos casos de sífilis em gestante e sífilis congênita da III Macrorregião de Saúde de Pernambuco, localizada no Sertão do estado e composta pelas regiões de saúde de Arcoverde, Afogados da Ingazeira e Serra Talhada, no período de 2017 a 2022.

A mostra evidenciou 935 casos de sífilis registrados em gestantes e 309 casos de sífilis congênita. A taxa de detecção de sífilis em gestantes no período aumentou de 10,0 casos/mil nascidos vivos em 2017 para 16,0 casos/mil nascidos vivos em 2022, enquanto a taxa de incidência da sífilis congênita no ano de 2017 foi de 2,9 casos por mil nascidos vivos para 5,3 casos por mil nascidos vivos em 2022. 

Para chegar a essas conclusões, Kamila avaliou a taxa de detecção e notificação de sífilis gestante e calculou a taxa de incidência dos casos notificados de sífilis congênita em cada região de saúde no período da pesquisa com base na análise de dados secundários, provenientes do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc). Foi realizado o linkage probabilístico, técnica que permite relacionar registros em bases de dados de forma probabilística a fim de possibilitar um único registro para cada caso notificado.

A pesquisa revelou que a infecção teve maior prevalência entre gestantes de 20 a 29 anos (52,2%), pardas (75%) e residentes em áreas urbanas (69,3%), além de um alto índice de diagnósticos tardios. Entre as crianças com sífilis congênita (SC), 52,8% foram diagnosticadas até o primeiro dia de vida, 68% eram assintomáticas e 47% precisaram de internação para tratamento com penicilina. Apesar da gravidade da doença, 93% dos casos evoluíram com vida. O perfil das mães indicou predominância de mulheres jovens, pardas e com baixa escolaridade, sendo que 90% realizaram o pré-natal, mas 35% tiveram tratamento inadequado e 33% dos parceiros sexuais não foram tratados, evidenciando fragilidades na assistência.

Ao comparar os dados de 2022 com 2017, observou-se um aumento significativo das taxas de detecção da sífilis gestacional e da incidência da SC, sugerindo uma epidemia da doença na III Macrorregião de Saúde. Esse cenário reforça a necessidade de melhorias na assistência pré-natal e a adoção de estratégias eficazes para reduzir a transmissão vertical da sífilis. O estudo apontou a necessidade de aprimorar o trabalho na Atenção Primária à Saúde (APS), com capacitação das equipes, rastreamento eficiente, tratamento dos parceiros sexuais, ações educativas e acompanhamento adequado dos casos.

Mesmo com uma cobertura pré-natal superior a 90%, a incidência da SC permanece elevada, evidenciando desigualdades regionais e sociais. A pesquisadora Kamila destaca a importância de mapear padrões da doença e direcionar ações para áreas mais vulneráveis, especialmente no interior, onde há menos dados e estratégias específicas. No Brasil, as taxas de detecção da sífilis gestacional e congênita continuam a crescer, e em Pernambuco, esse aumento é preocupante. No entanto, a maior parte dos estudos se concentra na média estadual e em áreas metropolitanas, deixando lacunas sobre a realidade do interior do estado.

O trabalho de Kamila foi orientado pela professora Ana Maria Aguiar dos Santos, do Instituto Aggeu Magalhães – Fiocruz Pernambuco e contou com Aletheia Soares Sampaio, também da Fiocruz Pernambuco, como coorientadora. Os resultados foram apresentados como trabalho de conclusão do Mestrado Profissional do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública Fiocruz Pernambuco, que integra o consórcio para oferta do Programa VigiLabSaúde-Fiocruz. 

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