Debate sobre vigilância em saúde nas fronteiras encerra o seminário internacional “Desafios para os sistemas de saúde na América Latina pós-pandemia”

O terceiro e último dia do ‘Seminário Internacional: Desafios para os Sistemas de Saúde na América Latina Pós-Pandemia’, promovido pela Fiocruz e realizado entre os dias 19 e 21 de fevereiro na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), abordou o tema "O Desafio da Vigilância em Saúde nas Fronteiras no Cenário Pós-Pandêmico". A sessão foi moderada pela coordenadora geral de Educação da Fiocruz e coordenadora do Programa VigiFronteiras-Brasil, Eduarda Cesse, e pela coordenadora Acadêmica do programa,  Andrea Sobral. O evento contou com apoio do programa.

Os convidados trouxeram reflexões importantes sobre os desafios contemporâneos da vigilância em saúde, explorando questões específicas dos seus países e experiências de atuação. Entre os participantes estiveram: a encarregada da Área de Vigilância Sanitária da População do Governo do Uruguai (participação remota), Carmen Seijas; o Coordenador Regional de Malária e OTV - Geresa - Loreto, Cristiam Carey Angeles (Peru); o Oficial Nacional da Coordenação de Vigilância, Preparação e Resposta a Emergências e Desastres da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS), Rodrigo Lins Frutuoso; e o Assessor do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz) e ex-coordenador nacional pela Argentina do Mercosul Saúde e da Unasul, Sebastián Tobar. 

Eduarda Cesse abriu a mesa apresentando e destacando o impacto do  Programa Educacional em Vigilância em Saúde nas Fronteiras (VigiFronteiras-Brasil) da Fiocruz, que formou 32 mestres, está com 34 alunos de doutorado ativos e se prepara para iniciar sua segunda turma em 2026, com disciplinas internacionais, formação de pessoas, troca de experiências entre os participantes e formação de redes. "Aproximadamente 60% dos alunos egressos do curso integram o Sistema Único de Saúde (SUS)", celebrou. Em seguida, Andrea Sobral fez a conexão entre o programa e o tema da mesa, ressaltando: "A pandemia evidenciou fragilidades no sistema de saúde e expôs desafios específicos que exigem medidas especializadas. Dessa forma, o conceito de cooperação em áreas de fronteira deve estar sempre presente na atuação dos profissionais de saúde nesses territórios". 

A convidada Carmen Seijas abordou temas como a proteção da saúde dos trabalhadores essenciais em contextos pandêmicos, a mobilidade populacional e a segurança das comunidades fronteiriças e áreas vulneráveis. Em sua fala, ela destacou um desafio essencial: "A saúde do trabalho precisa de cobertura adequada e um seguro médico acessível, que deveria ser lei e estar nas agendas governamentais. A problemática dos fenômenos migratórios também exige medidas concretas para garantir melhorias futuras. É fundamental que os profissionais de saúde compreendam a infraestrutura e o acesso aos serviços nos diferentes territórios". Seijas também destacou desafios na melhoria da vigilância em saúde, enfatizando a necessidade de digitalização dos dados, capacitação contínua dos profissionais e fortalecimento da resposta com o uso adequado de equipamentos. "Na comunicação e informação ainda há muito o que aprimorar. Precisamos de abordagens locais e específicas, incluindo alertas eficazes", concluiu.

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Carmen Seijas: "Na comunicação e informação ainda há muito o que aprimorar. Precisamos de abordagens locais e específicas, incluindo alertas eficazes". (Imagens: Beto Figueiroa)

O coordenador regional de Malária e OTV de Geresa - Loreto, Cristian Carey Angeles, abordou as dificuldades de coordenação na tríplice fronteira entre Peru, Colômbia e Brasil. "Após a pandemia, percebemos que a digitalização é essencial para permitir a troca de informações entre os países de forma remota e ampliar a capacidade de resposta aos problemas de saúde", ressaltou. Ele também destacou a importância da vigilância zoonótica diante das mudanças climáticas e do aumento de doenças emergentes, como a dengue em áreas remotas. Além disso, alertou para a necessidade de maior interesse e investimento no estudo da vigilância epidemiológica e da vigilância em saúde por profissionais da área da saúde, visando fortalecer a atuação preventiva dos sistemas de saúde.

Rodrigo Lins Frutuoso, Oficial Nacional da Coordenação de Vigilância, Preparação e Resposta a Emergências e Desastres da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS), trouxe uma perspectiva global sobre preparação e resiliência diante de ameaças emergentes. Ele enfatizou que o planejamento é essencial para mitigar a morbidade, a mortalidade e os impactos socioeconômicos das pandemias, enquanto a resiliência se refere à capacidade de manter respostas eficazes antes, durante e depois de uma crise sanitária. Ele apresentou dados alarmantes, como o registro de quase 15 milhões de mortes em excesso, direta e indiretamente ligadas à pandemia de COVID-19. Além disso, destacou que há uma alta probabilidade de que a próxima pandemia seja causada por um patógeno respiratório, com riscos estimados entre 22% a 28% nos próximos 10 anos e entre 47% a 57% nos próximos 25 anos.

Frutuoso mencionou, ainda, o modelo de Preparação e Resiliência a Ameaças Emergentes (PRET 2023) e reforçou a necessidade de políticas sólidas e programas sociais para mitigar os impactos das pandemias nas populações vulneráveis. "São fundamentais ações multissetoriais e vigilância colaborativa", destacou. Ele concluiu ressaltando a importância da caracterização dos territórios: "Países fortes significam territórios fortes, e territórios fortes significam fronteiras fortalecidas".

Por fim, Sebastián Tobar, assessor do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz) e ex-coordenador nacional pela Argentina do Mercosul Saúde e da Unasul, apresentou um panorama geral da diversidade de países fronteiriços na América do Sul. Ele ressaltou que o continente conta com 48 fronteiras ao longo de 17 mil km de território. Tobar apresentou estratégias de governança para a vigilância em saúde nas fronteiras e a relevância dos comitês binacionais para respostas sanitárias eficazes. "A fronteira é um organismo vivo, onde diferentes atores se empenham na construção de uma cultura de paz e compartilhamento de conhecimento", pontuou.

Ele reforçou a necessidade de padronizar dados para melhorar o compartilhamento de informações e a formulação de planos de contingência permanentes, abordando não apenas pandemias, mas também outros problemas de saúde pública. "Precisamos fortalecer a cooperação regional e priorizar áreas estratégicas para consolidar processos de vigilância eficientes", afirmou. Encerrando sua fala, ele enfatizou: "Precisamos nos unir e agir coletivamente nas fronteiras para criar laços de confiança e garantir a segurança sanitária de nossas populações". Ao final, os participantes tiveram a oportunidade de interagir com os palestrantes em um espaço aberto para perguntas e discussões. 

Para Andréa Sobral, a mesa trouxe perspectivas complementares que evidenciaram a complexidade da vigilância em saúde nas fronteiras. “A principal mensagem que ficou pra mim dessa discussão é que nenhum país pode enfrentar crises sanitárias sozinho. O fortalecimento da cooperação transfronteiriça e a construção de políticas sustentáveis e integradas são fundamentais para proteger a saúde das populações e evitar que futuras emergências tenham impactos tão severos quanto a pandemia da COVID-19, avaliou.

O Seminário Internacional foi organizado no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da ENSP/Fiocruz (PPGSP) e fez parte da disciplina de verão "Análise de Políticas e Sistemas de Saúde em Perspectiva Comparada Internacional", sob responsabilidade da docente permanente do PPGSP e vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Cristiani Vieira Machado. Nos dois primeiros dias, o seminário contou com palestras sobre os sistemas de saúde do Chile, Colômbia, Argentina e México. Bem como os desafios globais impostos às políticas de saúde em um cenário pós-pandemia. Os detalhes podem ser conferidos em matéria publicada no Campus Virtual da Fiocruz. 

“Tivemos estudantes e pessoas interessadas nos temas acompanhando o evento via Plataforma Zoom e YouTube, ao longo de três dias. Trabalhamos os sistemas de saúde de alguns países e depois temas transversais mais estratégicos como as transformações globais, o capitalismo e como estão afetando os sistemas de saúde, o tema do racismo estrutural e o impacto na saúde, as migrações e a vigilância em saúde nas fronteiras. Não dá para falar em saúde nas Américas sem falar desses temas. Esse tipo de iniciativa em parceria é fundamental, respeitando e considerando a diversidade, a dimensão da interculturalidade e da complexidade dos povos da nossa região”, comentou Cristiani Machado",

O seminário internacional contou com a parceria do Programa Educacional em Vigilância em Saúde nas Fronteiras (VigiFronteiras-Brasil) e apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS) e da plataforma The Global Health Network - Latin America and the Caribbean (TGHN/LAC). A sessão contou com tradução simultânea para espanhol e Libras, garantindo a acessibilidade ao debate. Os vídeos com todas as palestras do seminário estão disponíveis na íntegra no canal da @videosaude_distribuidora. Assista aqui.