Saúde do Homem: crescimento no cadastramento e baixa adesão ao atendimento individual evidenciam desigualdades regionais na Atenção Primária à Saúde

Segundo o Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), os homens apresentam maior taxa de mortalidade que as mulheres em todas as faixas etárias até os 80 anos. Apesar da pandemia de COVID-19 ter reduzido a expectativa de vida dos brasileiros em 4,5 anos, os homens ainda vivem, em média, sete anos a menos que as mulheres. 

Buscando enfrentar esse cenário, o Ministério da Saúde lançou, em 2009, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), com o objetivo de ampliar o acesso a serviços de saúde e reduzir os fatores de risco associados à morbidade e mortalidade masculina. O Brasil se destaca como o único país da América Latina com uma política específica para essa população, reforçando a importância do tema nas estratégias de saúde pública.

Diante dos desafios na efetivação do acesso e na qualidade da assistência prestada, o estudo “Atendimentos Individuais de Homens na Atenção Primária à Saúde no Brasil, de 2017 a 2021”, conduzido por Julianna Miwa Takarabe, analisou os atendimentos individuais da população masculina na Atenção Primária à Saúde (APS) em todas as cinco regiões do país. A pesquisa identificou um aumento tanto nos cadastros individuais quanto nos atendimentos de homens entre 20 e 59 anos, embora com variações no ritmo de crescimento ao longo dos anos e entre diferentes regiões e faixas etárias.

Os dados evidenciaram que o cadastramento não significa atendimento nem qualidade na assistência, destacando dinâmicas distintas no acesso à APS. A pesquisadora comparou o número de homens cadastrados e número de homens que realizaram pelo menos um atendimento individual na APS em um ano, sendo considerado como ano o período compreendido entre janeiro e dezembro. 

O estudo descritivo e comparativo, feito por Julianna, foi realizado com dados secundários extraídos do Sistema de Informações para Atenção Básica (SISAB), levando em conta o cálculo da proporção entre o número de atendimentos anuais e o total de homens cadastrados na plataforma

Entre 2017 e 2021, todas as regiões do Brasil registraram crescimento na proporção de cadastrados na APS, com destaque para o período de 2019 a 2020. A região Sul manteve a maior cobertura, encerrando 2021 com 71,4% da população masculina de 20 a 59 anos cadastrada. O Nordeste apresentou o maior crescimento da série histórica, passando de 26,6%, em 2017, para 68,1%, em 2021.

A pesquisa indicou que, apesar do aumento nos cadastros e do impacto da pandemia de COVID-19 na demanda por serviços de saúde, apenas 28,6% dos homens de 29 a 59 anos cadastrados na APS realizaram ao menos um atendimento individual em 2021, mesmo com a taxa de cadastramento chegando a 59,6%.

Entre 2020 e 2023, o período pandêmico impulsionou o crescimento dos cadastros e atendimentos, elevando a proporção de atendimentos individuais de 19,7% (2017) para 28,6% (2021). Embora a proporção tenha aumentado, o comportamento masculino em relação à busca pela APS permaneceu praticamente inalterado, já que menos de 30% da população estudada procurou atendimento individualizado.

Além disso, o crescimento da demanda, segundo o estudo, não necessariamente refletiu uma mudança duradoura nos hábitos de saúde, podendo estar mais relacionado ao medo gerado pela letalidade da COVID-19 do que a uma maior conscientização sobre a importância da APS.

A pesquisa de Julianna também analisou a variação na taxa de cobertura de planos de saúde no Brasil entre 2017 e 2021, ressaltando desigualdades regionais. A cobertura nacional oscilou entre 22,5% (em 2019 e 2020) e 23,1% (em 2017 e 2021), com o Sudeste mantendo índices significativamente mais altos, enquanto Norte e Nordeste enfrentaram maiores dificuldades na ampliação do acesso à saúde suplementar, reforçando a dependência do SUS. O estudo destacou que o acesso a planos privados está diretamente ligado a fatores socioeconômicos e geográficos, impactando a equidade no atendimento, uma vez que usuários de planos de saúde tendem a acessar mais serviços especializados, enquanto usuários exclusivos do SUS podem enfrentar filas e menor oferta de atendimento. 

“As diferenças regionais e etárias evidenciam a influência de fatores como cultura local, processos produtivos e determinantes sociais da saúde (DSS) no acesso aos serviços de APS. Isso reforça a necessidade de considerar esses aspectos no planejamento e gestão, garantindo um uso mais eficiente dos recursos financeiros e promovendo maior equidade no atendimento”, ressalta a pesquisadora.

O estudo de Juliana destacou o papel essencial de gestores e profissionais de saúde na implementação da PNAISH, tanto na qualificação da APS quanto na sensibilização de usuários e equipes. Estratégias como a adaptação da ambientação das UBS, horários alternativos de funcionamento, atividades coletivas, grupos específicos para homens e ações extramuros em parceria com entidades públicas e privadas, segundo o trabalho, são fundamentais para ampliar o acesso dos homens aos serviços de saúde.

Para a pesquisadora, o aumento nos cadastros individuais entre 2019 e 2020, aliado à mudança no modelo de financiamento, reflete os esforços municipais para captação de recursos e fortalecimento da APS. O estudo desenvolvido pela pesquisadora também servirá de base para a produção de materiais técnicos voltados a gestores e profissionais da APS, apoiando o planejamento e monitoramento da PNAISH nos territórios. A pesquisa foi apresentada como trabalho de conclusão do Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde da Fiocruz Brasília, que integra o consórcio para oferta do Programa VigiLabSaúde-Fiocruz. A aluna recebeu orientação do professor José Agenor Álvares da Silva, da Fiocruz Brasília.

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