Estudo demonstra que distribuição desigual do teste IGRA limita rastreamento da tuberculose latente no Rio Grande do Norte

A infecção latente pelo Mycobacterium tuberculosis (ILTB), embora assintomática, representa um importante fator de risco para o desenvolvimento da tuberculose ativa, especialmente em pessoas com imunidade comprometida. O diagnóstico precoce e o tratamento adequado da ILTB são fundamentais para conter a progressão da doença e evitar novos casos. Nesse contexto, o teste Interferon-Gamma Release Assay (IGRA) desponta como uma alternativa promissora principalmente após o desabastecimento do teste PPD em 2023, o que levou o Ministério da Saúde a recomendar sua substituição pelo IGRA, conforme diretrizes preconizadas para a prevenção da tuberculose.

A pesquisa intitulada “Avaliação da rede de diagnóstico da infecção latente pelo Mycobacterium tuberculosis (ILTB) através do teste IGRA no estado do Rio Grande do Norte”, de autoria de Kaylane Alves de Matos Freire, investigou as estratégias adotadas para a detecção da ILTB no estado. A partir da análise de dados secundários de 501 indivíduos pertencentes a grupos de risco testados no Laboratório Central de Saúde Pública do Rio Grande do Norte (LACEN-RN), e coletados na plataforma Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL), o estudo descritivo e retrospectivo identificou que 13,4% dos testes apresentaram resultado reagente para ILTB, evidenciando a presença da infecção latente.

Cerca de 82,6% dos exames foram não reagentes, e 4% tiveram resultado indeterminado, apontando para a importância de aprimorar a padronização laboratorial a fim de reduzir a ocorrência de testes inconclusivos.

A maioria dos casos positivos foi identificada em adultos de meia-idade, de 20 a 39 anos (29,0%) e de 40 a 55 anos (24,0%), residentes em áreas urbanas (45,5% dos participantes), com distribuição equitativa entre os sexos. A análise também revelou uma elevada proporção de registros incompletos, dificultando a análise epidemiológica.

A análise também evidenciou que o acesso ao teste IGRA no Rio Grande do Norte ainda se concentra em unidades de saúde de maior complexidade, como hospitais (49,7%) e laboratórios (31,7%), com participação reduzida de unidades básicas de saúde (5,4%) e programas de saúde da família (9%). Essa distribuição desigual limita o rastreamento precoce da infecção latente da tuberculose (ILTB), especialmente entre populações vulneráveis.

Embora o IGRA se destaque como uma ferramenta eficaz, com maior sensibilidade e especificidade em relação ao PPD, o estudo demonstra que sua implantação enfrenta desafios estruturais, como a necessidade de infraestrutura adequada, capacitação de profissionais e estabilidade no fornecimento de kits. Além disso, observou-se que a maioria dos casos positivos não pertence a grupos tradicionalmente considerados de alto risco, como pessoas vivendo com HIV (3%) ou indivíduos internados (1,5%), indicando possível subnotificação nesses públicos e sugerindo que a infecção pode estar mais disseminada na população geral. O alto número de registros incompletos — como a ausência de informações sobre a região de residência (47,5%) e finalidade do teste (22,4%) — também representa um entrave para análises epidemiológicas mais precisas.

Sobre o processo de transição para o uso do IGRA, a pesquisadora ressalta: “O desabastecimento do PPD em todo o país provocou um aumento abrupto na demanda pelo teste IGRA, que até então era aplicado de forma mais restrita e criteriosa. Ao recomendar a substituição, o Ministério da Saúde não previu, inicialmente, a necessidade de revisar os critérios de indicação do novo teste. Como consequência, diversos exames IGRA foram solicitados sem o mesmo rigor aplicado anteriormente, o que sobrecarregou a rede de diagnóstico e levou ao desabastecimento dos kits IGRA. A situação evidenciou fragilidades na logística de distribuição e na capacidade do sistema de saúde em responder a mudanças súbitas nas políticas de diagnóstico.

Com base nos resultados, a pesquisa recomenda a ampliação do acesso ao teste IGRA em unidades básicas de saúde e programas de saúde da família, com foco especial nas populações vulneráveis. A descentralização do exame, aliada à capacitação de profissionais de saúde, é essencial para fortalecer o controle da tuberculose no Rio Grande do Norte. Sendo fundamental aprimorar os registros de dados, garantindo informações completas e confiáveis que subsidiem uma análise epidemiológica mais precisa e a formulação de políticas públicas eficazes.

O trabalho de Kaylane foi desenvolvido no âmbito do Mestrado Profissional em Saúde Pública do Instituto Aggeu Magalhães (IAM/Fiocruz Pernambuco), que integra o consórcio para oferta do Programa VigiLabSaúde/Fiocruz, sob orientação da professora Lílian Maria Lapa Montenegro, da mesma instituição.

*Crédito da imagem: Freepik