Estudo revela desafios e estratégias no combate à Covid-19 entre comunidades indígenas do Alto Rio Solimões

A pandemia da Covid-19 descortinou as desigualdades socioeconômicas ainda persistentes em todo o mundo, em especial em regiões afastadas dos centos urbanos e entre grupos de maior vulnerabilidade, como as comunidades indígenas brasileiras. Se comparado à população em geral, historicamente os indígenas apresentam maior risco de desenvolver doenças infecciosas, incluindo infecções respiratórias agudas, devido à fatores como saneamento básico precário, alimentação inadequada e acesso limitado a serviços e cuidados de saúde. Foi buscando entender quais foram os desafios e ações desenvolvidas para prevenir e combater a doença em comunidades indígenas do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) do Alto Rio Solimões, que a enfermeira Raynara de Araújo Evangelista, ex-aluna do Programa VigiFronteiras-Brasil/Fiocruz, apresentou a dissertação “A Covid-19 e o cotidiano dos serviços de saúde indígena na região de tríplice fronteira amazônica".

O trabalho de Raynara explorou a resposta à pandemia na aldeia Feijoal, localizada na tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia, e ofereceu uma visão detalhada das ações desenvolvidas para combater a Covid-19 entre comunidades indígenas. O estudo destacou a importância da integração entre saberes tradicionais e biomédicos e a superação dos desafios logísticos para garantir a eficácia das medidas sanitárias. Os resultados do estudo demonstraram um esforço conjunto dos órgãos regulamentadores, dos especialistas da medicina indígena envolvidos no cuidado ao seu povo e dos profissionais de saúde e gestores com a finalidade de refrear os impactos da pandemia de Covid-19 nos Polos Bases de Saúde.

A pesquisa utilizou uma abordagem qualitativa e descritiva, baseando-se em entrevistas gravadas com profissionais de saúde, incluindo médicos, enfermeiros, odontólogos e gestores do DSEI. Observou-se que medidas as medidas sanitárias para enfrentamento da Covid-19 na aldeia indígena estudada seguiram os protocolos estipulados. As transcrições das entrevistas revelaram tanto os sucessos quanto os desafios enfrentados durante a implementação destas ações.

Entre as estratégias bem-sucedidas destacadas no estudo, estão o monitoramento rigoroso do plano de contingência de combate a COVID-19 no DSEI-ARS e a integração de práticas biomédicas com a medicina tradicional indígena. As práticas multiprofissionais de saúde associadas à medicina indígena, por meio de uma colaboração respeitosa e dialógica, foram essenciais para a prevenção e tratamento da Covid-19 nas comunidades indígenas. Os Agentes Indígenas de Saúde tiveram um papel crucial na identificação e acompanhamento de casos suspeitos e confirmados, atuando como pontes entre os saberes tradicionais e biomédicos.

No entanto, o estudo também evidenciou significativos desafios logísticos. A localização remota das aldeias, por exemplo, dificultou a obtenção e o envio de insumos, que sofreram atrasos devido à baixa concorrência e problemas nos processos licitatórios. Para mitigar essas dificuldades, o DSEI Alto Rio Solimões estabeleceu parcerias com organizações não governamentais, conseguindo doações de materiais e equipamentos de proteção individual, que foram fundamentais para enfrentar a crise sanitária.

Outro ponto relevante da pesquisa foi a análise da mobilidade dos povos indígenas além das fronteiras nacionais, frequentemente motivada por laços de parentesco ou pela busca de tratamentos especializados da medicina indígena. Durante a pandemia, essa mobilidade foi crucial para a produção de cuidados entre parentes, fortalecendo as redes de apoio e garantindo a assistência necessária.

Apesar das limitações de insumos e recursos, o estudo conclui que o DSEI Alto Rio Solimões conseguiu implementar medidas sanitárias eficazes na aldeia Feijoal. Contudo, foram identificadas limitações na pesquisa, indicando a necessidade de novas investigações científicas. Raynara Evangelista recomenda abordagens cartográficas, etnográficas e participativas para futuras pesquisas, visando incluir a perspectiva dos usuários indígenas para aprimorar a saúde pública e a vigilância em saúde em áreas de fronteira.

O trabalho de Raynara foi orientado pelo professor Dr. Rodrigo Tobias de Sousa Lima, do ILMD/Fiocruz Amazônia, e avaliado pelas professoras doutoras Amandia Braga Lima de Sousa ((ILMD/Fiocruz Amazônia) e Elvira Maria Godinho de Seixas Maciel (ENSP/Fiocruz).

 

Imagem: Fiocruz/Rodrigo Mexas