Partículas geradas por queimadas estão entre poluentes que provocam doenças respiratórias no Brasil e na Bolívia
As queimadas na região amazônica, originadas naturalmente ou pela ação humana, têm impactado diretamente a qualidade do ar e a saúde das populações expostas, inclusive em territórios vizinhos. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 99% da população mundial respira ar que excede os limites de qualidade recomendados. Entre os poluentes gerados nesse processo, o material particulado (PM) se destaca por ser mundialmente reconhecido como uma grave ameaça à saúde pública. O órgão alerta que, especialmente as partículas com diâmetro aerodinâmico inferior a 2,5 micrômetros (PM2.5), podem penetrar profundamente nos pulmões e alcançar a corrente sanguínea, provocando impactos cardiovasculares, cerebrovasculares e respiratórios, além de afetar outros órgãos e contribuir para o desenvolvimento de diversas doenças.
Com o objetivo de investigar os efeitos da dispersão espacial do material particulado fino (PM2.5), a sua relação com fatores meteorológicos e os seus impactos na morbidade hospitalar por doenças respiratórias gerada por queimadas nos países vizinhos ao Brasil entre 2015 e 2019, Danila Pequeno Santana desenvolveu a tese “Influência do material particulado fino (PM2.5) em períodos de queimadas na fronteira Brasil-Bolívia: evidências de impacto transfronteiriço nas doenças respiratórias”. O estudo identificou correlações significativas entre os níveis de PM2.5 no Brasil e os casos de adoecimento respiratório na Bolívia, e vice-versa, revelando efeitos distintos conforme o tempo de exposição e o grupo populacional afetado. Crianças menores de cinco anos e idosos, por exemplo, mostraram-se especialmente vulneráveis.
Observou-se o predomínio de internações por causas respiratórias entre crianças menores de cinco anos em ambos os países. Em relação aos desfechos em saúde, a Bolívia apresentou maior número de casos de infecções respiratórias agudas, enquanto o Brasil se destacou pela incidência de pneumonia, ambas com maior ocorrência em faixas etárias mais avançadas. A análise também revelou que os impactos do material particulado não se restringem ao momento da exposição, mas podem se estender para outras semanas.
Em relação aos efeitos dos poluentes gerados por queimadas na saúde humana de indivíduos expostos a esses agentes, a pesquisa apontou uma associação consistente entre a exposição a contaminantes provenientes de incêndios e o aumento da incidência de doenças respiratórias, cardiovasculares e cerebrovasculares, além efeitos na gravidez, câncer e COVID-19.
O estudo também identificou maior risco de exposição ao PM2.5 nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, sul de Rondônia e no departamento boliviano de Santa Cruz, sugerindo maior impacto do material particulado local nesta área. Já na região Norte, que inclui o Acre, norte de Rondônia e os departamentos bolivianos de Beni e Pando, os resultados apontam maior impacto do PM2.5 proveniente de fontes transfronteiriças. O trabalho evidenciou que a poluição do ar ultrapassa fronteiras e reforça a urgência de acordos internacionais integrados para mitigar as queimadas, além de promover ações conjuntas de monitoramento e controle das emissões atmosféricas.
Para desenvolver a pesquisa, Danila utilizou modelos estatísticos clássicos e espaciais para avaliar a associação entre PM2.5 e morbidade hospitalar respiratória, com destaque para análises por faixas etárias e diferenças territoriais. Além da análise espacial e temporal, incluindo o uso de modelos de regressão geograficamente ponderada (GWR). “Apesar dos avanços no sensoriamento remoto, com maior resolução e cobertura, ainda persistem lacunas e incertezas regionais, o que reforça a importância da medição direta em campo. Ampliar a rede de estações de monitoramento terrestre é essencial para estimar com precisão as concentrações e origens do PM2.5”, ressalta a autora da pesquisa.
Os resultados originaram três artigos científicos, cada um contribuindo para objetivos específicos da tese. O primeiro artigo consistiu em uma revisão integrativa da literatura, considerando as evidências mais recentes sobre o assunto no período de 2019 a 2024; o segundo, constituiu um estudo ecológico longitudinal, avaliando a correlação espacial e temporal de PM2.5 e variáveis meteorológicas entre Brasil e Bolívia; e o terceiro, um estudo ecológico de séries temporais com abordagem espacial e temporal, examinando morbidade hospitalar por infecção respiratória aguda e pneumonia na população da faixa de fronteira. Os dois últimos levaram em consideração os dados mais recentes disponíveis (2015 a 2019).
Os resultados obtidos por Danila ressaltam a importância da vigilância epidemiológica e do monitoramento contínuo da qualidade do ar, fundamentais para o desenvolvimento de estratégias eficazes de controle, mitigação dos impactos da poluição e proteção da saúde da população que vive em áreas fronteiriças. Segundo a pesquisadora, a criação de protocolos para redução de emissões e a implementação de sistemas binacionais de alerta são medidas prioritárias no cenário encontrado. "Incentivar tecnologias limpas, intensificar a fiscalização de queimadas e adotar políticas ambientais mais rigorosas são ações cruciais para reduzir a exposição populacional a poluentes", comentou.
A pesquisa foi apresentada como trabalho de conclusão do Doutorado Acadêmico em Saúde Pública e Meio Ambiente da ENSP/Fiocruz, que integra o consórcio para oferta do Programa VigiFronteiras-Brasil/Fiocruz, sob orientação do professor dr. Hermano Albuquerque de Castro (ENSP/CESTEH/Fiocruz).
* Crédito da imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil
