Profissionais de saúde relatam inadequações no atendimento a mulheres que sofreram violência sexual na fronteiras do Macapá com o Oiapoque

Enfermeira obstétrica com 26 anos de experiência no atendimento de grávidas e puérperas, Vilma Maria da Costa Brito apresentou os resultados de uma pesquisa sobre os cuidados de saúde disponibilizados para mulheres que sofreram violência sexual. O estudo focou as estruturas públicas das cidades de Macapá (AP) e Oiapoque, que fica na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa. A falta de atenção adequada para esses casos e a revitimização da mulher foram os principais problemas identificados. O atendimento insuficiente acaba favorecendo que a vítima desenvolva e passe a sofrer também com questões relacionadas às  saúdes sexual, reprodutiva e psicológica.

Para entender como o acolhimento das mulheres é realizado, a pesquisadora entrevistou
enfermeiras de instituições públicas de saúde das duas cidades. As profissionais consultadas foram todas mulheres com diferentes níveis de experiência de trabalho e idades variando entre 30 a 62 anos. A maioria das entrevistadas afirmou que as mulheres que procuram atendimento sofrem repercussões de cunho psicológico, como mudanças de comportamento, medo, perda da autoconfiança e ansiedade. A revitimização durante os atendimentos de saúde amplifica essas consequências.

Entre os elementos que a pesquisa considera como revitimização estão a falta de estrutura física para os cuidados de saúde, a dificuldade de oferecer privacidade às mulheres, a quantidade insuficiente de profissionais para os atendimentos de forma geral e falta de treinamento adequado para aqueles que vão prestar o acolhimento às mulheres. As próprias enfermeiras entrevistadas para o estudo relataram ter diferentes níveis de treinamento sobre violência sexual. Algumas eram capacitadas adequadamente, outras haviam recebido informações mais superficiais e outras não tinham recebido nenhuma orientação específica.

As entrevistadas relataram, ainda, casos nos quais elas suspeitam de violência que não são oficialmente notificados como tal. Nessas ocasiões, o atendimento é realizado da melhor forma possível pelas profissionais, mais nenhum protocolo para violência sexual é adotado. Pela experiência na prática, as enfermeiras consultadas corroboram o entendimento de que há subnotificação da violência contra a mulher.

O problema se torna ainda mais grave em regiões de fronteira. Essas áreas sofrem com dificuldade de acesso a serviços de saúde em geral, altos índices de vulnerabilidade social da população e baixa renda. O tráfico humano é mais um elemento a ser levando em conta. A pesquisadora resume o cenário encontrado afirmando que “O cuidado integral às mulheres que enfrentam situações de violência sexual evidencia as dificuldades encontradas por profissionais de saúde na identificação dos casos e na prestação abrangente de cuidado. Existe uma lacuna preocupante na formação específica para lidar com os casos, especialmente evidenciada em regiões de fronteiras”. 

Dez enfermeiras foram entrevistadas para o estudo. A pesquisadora realizou ainda revisão bibliográfica e consultou dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).

A dissertação “Para nós aqui na fronteira, nós deveríamos ter mais um pouco de atenção: Violência sexual e saúde de mulheres na região de fronteira (Brasil e Guiana Francesa)” foi apresentada como trabalho de conclusão do mestrado de Vilma Brito pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), que integra o consórcio para oferta do Programa Educacional em Vigilância em Saúde nas Fronteiras (VigiFronteiras)

O trabalho foi orientado pelas professoras doutoras Cristiane Batista Andrade (ENSP/Fiocruz) e Tatiana Giovanelli Vedovato (PUC-Campinas). A banca examinadora foi composta pelas professoras doutoras Fernanda Mendes Lages Ribeiro (ENSP/Fiocruz), Nely Dayse Santos da Mata (da Universidade Federal do Amapá) e Daniela Lacerda (do Centro Universitário Arthur Sá Earp Neto/Faculdade de Medicina de Petrópolis - UNIFASE/FMP).

 

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